Em tempos antigos, nas mais diversas civilizações, a leitura e o saber formavam um misto de paixão e poder a que apenas os mais privilegiados tinham acesso. Nos tempos modernos, essa paixão ainda persiste – para muitos, com o mesmo entusiasmo -, mas o acesso tornou-se bem mais democrático. Ferramentas de comunicação, em suas mais modernas formas tecnológicas, e o livro, um dos principais vetores do saber, convivem democraticamente disseminando o conhecimento.
Mesmo assim, para os pessimistas, o livro e o exercício da atividade do livreiro estariam com os dias contados, quase uma visão apocalíptica do fim dos tempos. Os mais nostálgicos se lembram das lojas de discos, superespecializadas e cobiçadas, que desapareceram no tempo. Cabe a nós, livreiros, então, a sobrevivência desse segmento.
Entretanto, não nos podemos iludir. Vivemos hoje na era do conhecimento e da informação: o que é novidade num curto espaço de tempo se torna ultrapassado. Opções eletrônicas para a leitura, como o E-Book, o Kindle, o Reader e outras tecnologias, brevemente baterão à nossa porta e os novos leitores, que cresceram convivendo com os smart fones, acesso à banda larga e computadores de última geração, não terão dificuldades com o novo. Portanto, as livrarias, as editoras e distribuidoras devem preparar-se para o hoje. O hoje já é o futuro, não haverá outro caminho senão a atualização, a informação e o conhecimento.
A inovação e a criatividade do livreiro serão as principais ferramentas para enfrentar os novos tempos. Já vislumbro os leitores “baixando” legalmente o conteúdo digital em seus E-Books, diretamente nos caixas das livrarias, como ocorre atualmente com os celulares pré-pagos nos caixas dos supermercados. Acompanhar e adotar as novas tecnologias é o caminho.
O livro físico não desaparecerá das prateleiras das livrarias, mas o eletrônico, rapidamente, estará presente em nossa vida e caminhará paralelamente ao livro físico, sem sombra de dúvida. Precisamos, sim, incentivar cada vez mais as pequenas e médias livrarias a privilegiarem o livro como o seu principal produto de venda.
O sucesso de uma livraria, na minha opinião, está calcado em quatro vertentes: bom atendimento, prestação de serviço, bom sistema de informação (automação comercial) e acervo rico e atualizado.
Quando falo de acervo rico e atualizado, reconheço que não é fácil mantê-lo com capital próprio, e, aí, sim, a aquisição de livros via sistema de consignação ajuda. Porém me preocupo muito quando vejo que algumas livrarias trabalham com quase 100% de seu estoque consignado. Penso que um bom livreiro, para atingir o sucesso financeiro no médio prazo, precisa, na medida do possível, capitalizar a sua livraria – um bom acervo é a verdadeira “poupança” do livreiro. Livrarias que dispõem de bons livros em seus estoques em momento de aperto financeiro, como o atual, poderão diminuir suas compras e só adquirir as novidades, os best sellers, e trabalhar sob encomendas; com o acervo próprio (poupança) terão gorduras para queimar e se capitalizar novamente. O ideal é trabalhar de forma híbrida: parte adquirida, parte consignada.
Outro problema das consignações é o controle – se ele for falho, poderá prejudicar não só o livreiro, como também o distribuidor e o editor. A consignação é sempre uma boa estratégia de negociação, especialmente em eventos, lançamentos e por um período predeterminado. Se permanente, deve ser muito bem estudada e planejada pelas partes envolvidas – livreiro, distribuidor e editor. Sem falar que hoje, conforme regulamentação da Receita Federal, todas as consignações devem ter um período determinado. É trabalhoso e, sem um controle adequado e um bom sistema de informática, quase impossível de controlar.
Mesmo com todas essas dificuldades que estamos atravessando, esperamos um crescimento entre 3% e 5%, o que, para este ano, podemos considerar bom – acima desse porcentual, somente as livrarias que estavam capitalizadas, que mantiveram seus investimentos e abriram novas lojas e/ou ampliaram as já existentes. É óbvio que as redes que abrirem novas livrarias passarão a vender mais, porém não sei se com a mesma rentabilidade. As médias e independentes terão de usar muita criatividade e recorrer a parcerias para manterem, pelo menos, o faturamento do ano anterior.
Sem dúvida, ainda corremos o risco de fechamento de livrarias de pequeno e médio porte, provocando uma concentração ainda maior do setor. Temos consciência de que a sobrevivência delas, que hoje representam 65% desse mercado, ainda é muito temerosa. Consequência, em primeiro lugar, de práticas comerciais predatórias, em especial de alguns sites que também comercializam livros e de alguns varejistas do setor; segundo, em razão dos custos elevados para manter uma livraria aberta; terceiro, carência do hábito de leitura da população em geral; quarto, há também, em alguns casos, o problema de gestão administrativa e de carência de profissionais capacitados para o varejo livreiro; e, por último, a falta de ações governamentais específicas em defesa das livrarias – que tenham como foco a sobrevivência delas -, como o incentivo à abertura de novas livrarias fora dos grandes centros.
Hoje, cerca de 1.600 municípios, em todo o Brasil, não têm sequer uma livraria.
O que vemos, então, é que não serão os livros eletrônicos e as novas tecnologias de comunicação os nossos principais predadores.
Fonte: Vitor Tavares – Brasil que Lê – Agência de Notícias