Há 199 anos, mais exatamente em 29 de outubro de 1810, quando a Corte portuguesa encontrava-se no Brasil protegida da guerra imperialista de Napoleão Bonaparte, registrou-se a transferência da Real Biblioteca para o Rio de Janeiro. Nosso país nunca mais foi o mesmo, pois os livros têm o poder de mudar a história, ao preservar memórias, transmitir conhecimento, formar consciências e garantir aos cidadãos o direito essencial da liberdade de expressão, pensamento e da formação de juízo de valores.
Contribuiu para a difusão da leitura no então Vice-Reino, o nascimento da indústria gráfica, surgida em 1808, também na Cidade Maravilhosa, com a instalação da Imprensa Régia. Repetiu-se no Brasil fenômeno semelhante ao que se observara cerca de 350 anos antes, na Europa, quando o alemão Gutenberg criou os tipos móveis e passou a imprimir. O primeiro trabalho que saiu de seus prelos foi uma Bíblia. Um dos exemplares originais, aliás, encontra-se no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, aquela mesma que um dia recebeu as coleções da família real, compostas por 60 mil peças, entre livros, manuscritos e mapas.
Para se ter idéia da capacidade transformadora da leitura, por volta de 1450, o Velho Continente tinha cerca de 50 milhões de habitantes, dos quais apenas oito milhões alfabetizados. A transformação do livro de privilégio em algo mais acessível, propiciada pela impressão mecânica, multiplicou por três, em poucos anos, o número de europeus que sabiam ler e escrever.
Por isso, é importante comemorar com ênfase cada aniversário da chegada da Biblioteca Real ao Brasil. A data, 29 de outubro, foi oficializada como o Dia Nacional do Livro. Atualmente, nosso país produz 340,2 milhões de exemplares anuais (pesquisa “Produção e Vendas do Mercado Editorial Brasileiro 2008”, realizada pela Fipe/USP, para a CBL e o SNEL). No período de 2006 e 2008, foram lançados aproximadamente 57 mil novos títulos e impressos mais de um bilhão de exemplares. O estudo, que também aponta significativa queda de preços, evidencia os esforços das editoras, livrarias, distribuidores e do segmento de venda porta-a-porta para que a leitura seja cada vez mais parceira do desenvolvimento.
Outro exemplo desse empenho é o fato de as entidades do setor terem acabado de formalizar entendimento com o Ministério da Cultura para a criação do Fundo Pró-Livro. O mercado editorial, cumprindo compromisso assumido há quatro anos, destinará um por cento de seu faturamento a essa finalidade. A contribuição do setor privado à meta de estimular a leitura também está expressa na qualidade. Nesse sentido, as iniciativas do setor livreiro estão ancoradas em consistente trabalho de pesquisa, realizado pelo Ibope Inteligência, por solicitação do Instituto Pró-Livro, criado pela CBL, SNEL e Abrelivros. O principal estudo — “Retratos da Leitura no Brasil” — permite dimensionar o mercado. Delineia necessidades e demandas e aponta caminhos e soluções eficazes para que mais pessoas leiam.
Há, ainda, duas iniciativas da CBL que apresentam consistente resultado: a Bienal Internacional do Livro de São Paulo e o Prêmio Jabuti. Este, criado em 1959, chegou em 2009 à 51ª edição, contemplando 21 categorias e atingindo número recorde de inscrições, com 2.574 obras. Não menos importantes são as ações de divulgação do mercado editorial brasileiro no exterior. Em 2009, com apoio do convênio Brazilian Publishers, firmado pela Apex-Brasil e a CBL, a participação brasileira na Feira do Livro de Frankfurt, a mais importante do mercado editorial do mundo, teve mais visibilidade. No âmbito institucional, neste evento a Câmara firmou significativo acordo com Frankfurter Buchmesse (organizadora da Feira de Frankfurt) que visa à realização de atividades centradas no desenvolvimento da cadeia produtiva do livro no Brasil.
São prioritários, ainda, programas capazes de facilitar o acesso ao livro pelas crianças e jovens matriculados na rede pública de ensino. Nesse sentido, além da ampliação das ações federais (como o Programa Nacional do Livro Didático — PNLD e Programa Nacional Biblioteca da Escola), são necessárias mais iniciativas conjuntas entre União, estados e municípios e a iniciativa privada. Exemplo bem-sucedido da viabilidade desse objetivo é o projeto Minha Biblioteca, iniciado em 2007 na cidade de São Paulo, com forte apoio e participação da CBL.
Há, portanto, boas razões para se comemorar o Dia Nacional do Livro neste 29 de outubro. Porém, ainda é imenso o desafio relativo à meta de converter o Brasil num país de leitores e, portanto, mais desenvolvido, livre e justo! Como “a vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal” (Machado de Assis), é preciso reiterar a cada manhã o compromisso de outorgar a todo brasileiro o direito de repetir a instigante frase de Clarice Lispector: “A palavra é o meu domínio sobre o mundo”.
Autor: Rosely Boschini (presidente da Câmara Brasileira do Livro).
Fonte: PublishNews