O livro evoluiu. E a tributação?

Há algum tempo foi divulgada na mídia a chegada ao Brasil do chamado Kindle, leitor eletrônico comercializado pela Amazon, a maior livraria do mundo. Prometendo ser uma revolução, esse equipamento eletrônico, com apenas 290 gramas e com capacidade de armazenamento de 1.500 arquivos digitalizados, garante o recebimento de um livro adquirido em apenas 60 segundos.

O preço que será disponibilizado a todos nós brasileiros: US$ 279, acrescido de uma taxa de envio de US$ 21 e US$ 285.34 de imposto de importação. E foi justamente essa composição do preço que chamou nossa atenção.

Não desconhecemos que, hoje, por meio de determinados sistemas de informática, é possível ler livros nos mais diversos equipamentos: computadores, iphones, blackberries, entre outros. Nesses casos, não temos dúvida de que tais equipamentos não têm a função preponderante de ser um leitor de arquivos digitalizados; muito pelo contrário, a finalidade essencial é justamente outra, sendo semelhante leitor um mero acessório.

Mas o que dizer em relação ao chamado Kindle? Como largamente divulgado, sua única e exclusiva função é de um leitor eletrônico. Uma rápida visita ao site www.amazon.com, mais especificamente ao kindle store, verificamos que somente são disponibilizados para esse aparelho livros, revistas e jornais. Ora, será que nesse caso, não estamos diante de uma nova forma de divulgação de livros, jornais e periódicos?

Sobre esse ponto decidimos reservar alguns momentos para reflexão. Isso porque, como é do conhecimento geral, os livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão estão imunes à incidência de impostos, seja pela União, seja pelos Estados (e Distrito Federal) e Municípios (artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal).

A doutrina brasileira é pacífica no sentido de que essa imunidade foi concedida sem qualquer condição, sem qualquer interpretação que possa vir a limitá-la ou descaracterizá-la. De fato, o legislador constituinte teve a intenção de impedir a instituição de impostos sobre determinados bens ou atividades que especificamente indicou dada à sua relevância social.

Por outro lado, não há como pretender aplicar essa norma de forma restrita, já que, por se tratar de imunidade tributária genérica, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecer os princípios e postulados nela consagrados (RE 102.141-RJ / STF). Assim, não são necessárias grandes digressões para concluir que o legislador constituinte, ao tratar da imunidade sobre livros, jornais e periódicos, não limitou o benefício apenas àqueles elaborados em papel. Pelo contrário, pretendeu proteger os valores insertos nesses meios de comunicação.

Por outro lado, em se tratando do papel, somente aquele que for destinado à impressão desses produtos é que poderá gozar da imunidade constitucional. Mas jamais foi colocado (até porque o texto constitucional assim não está escrito) que somente os livros, jornais e revistas feitos de papel seriam imunes. Admitir tal hipótese é restringir a interpretação das normas constitucionais, o que afronta uma interpretação literal ou teleológica dessa norma. De fato, se o legislador não fez qualquer distinção, não cabe ao intérprete fazê-la.

Não desconhecemos que as antigas vonstituições federais estabeleciam que a imunidade somente era aplicada ao papel destinado à fabricação de livros, jornais e periódicos. Ou seja, o benefício tinha por finalidade proteger o produto “papel”, e não o conteúdo onde era aplicado. Mas a redação da atual Carta Magna é diametralmente oposta. Desde 1988, não se pretendeu apenas proteger o papel, mas também o livro, as revistas e os periódicos, enquanto meios de divulgação da liberdade de expressão.

Esse tema não é novo. O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu que a finalidade dessa norma é “evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação” (RE 221239 – São Paulo).

Apesar disso, sempre houve grande discussão, principalmente por parte dos entes tributantes, que somente esses materiais, quando feitos de papel, estariam imunes de impostos. Os demais, veiculados por outros meios (que não o papel), não estariam incluídos nessa imunidade e, portanto, não haveria (segundo eles) qualquer óbice em sua tributação.

Contudo, não só os livros eletrônicos ou audiolivros já se encontram presentes no nosso dia a dia; os livros de pano, ou livros de plástico, como os infantis, já são de longa data conhecidos pela população em geral. Como podemos, então, desconsiderar a evolução tecnológica e pretender que apenas os produtos de papel sejam imunes aos impostos?

Caberia ao legislador ordinário, em plena sintonia com o mandamento constitucional, observar que a finalidade da imunidade em questão é justamente o incentivo e a proteção à educação e cultura. Se assim fosse, certamente não haveria conflitos ou posicionamentos divergentes entre os entes tributantes e os contribuintes.

Os meios pelo quais os livros, jornais e periódicos são divulgados apenas decorrem de uma evolução tecnológica, que em nada conflitam com a norma constitucional.

Infelizmente, só podemos concluir que a chegada do kindle reabrirá a discussão em torno da imunidade dos impostos para os livros, jornais e periódicos. Oxalá nossos tribunais consigam pacificar essa discussão, a fim de evitar que a cada nova tecnologia o tema volte à baila e novos conflitos entre os entes tributantes e os contribuintes sejam travados.

Realmente o livro evoluiu, mas a tributação ainda está presa a conceitos arcaicos e dissonantes em relação à Constituição Federal.

Autor: José Eduardo Tellini Toledo

Fonte: Correio Braziliense

Picture of ABDL

ABDL

Associação Brasileira de Difusão do Livro, fundada em 27 de outubro de 1987 é uma entidade sem fins lucrativos, que congrega o setor chamado porta a porta, ou venda direta (fora internet).

Compartilhar

Usamos cookies para lhe proporcionar a melhor experiência.