Os livros batem à porta

Prática comum duas décadas atrás, a venda de livros em casa retorna com força em plena era digital e encontra a classe C como grande compradora

Renan Truffi / [email protected]

Duas vans carregadas de vendedores estacionam em uma rua estreita na Vila São Pedro, em São Bernardo do Campo. É manhã de sexta-feira, quando eles acertam em quais ruas irão trabalhar neste dia. Em duplas, um de cada lado da rua, os vendedores batem de porta em porta e falam sobre “educação, escola e cultura”.

Uma profissão tão comum antigamente, e que parecia ter sido extinta, retornou às ruas do País e também do ABCD.

Mesmo na era digital, os vendedores de livros de porta em porta conquistaram uma parcela importante do mercado.

O setor registra crescimento significativo nos últimos três anos e já é o terceiro canal de vendas mais importante do mercado livreiro. A pesquisa divulgada em agosto pela Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), espécie de organização de empresas especializadas neste tipo de comércio, mostra que o porta a porta representou 13,8% das vendas de livros no País em 2008. Foram 28 milhões de exemplares vendidos no ano passado, ante os 20 milhões, ou 9,61%, de livros comercializados em 2007.

“A venda porta a porta nunca morreu. É que nos últimos anos o espaço para essa venda aumentou em razão da expansão do crédito e da renda das famílias de classe baixa. Esse público não costuma freqüentar livrarias e ainda possui certa desconfiança em relação às compras pela internet. Nosso setor trabalha voltado para este tipo de leitor”, explica o presidente da ABDL, Luis Antonio Torelli.

De porta em porta

A empresa Espaço Editorial, associada à ABDL com sede em Diadema, comercializa principalmente enciclopédias e livros de consulta. “Os nossos clientes são famílias de baixa renda que compram porque, na maioria das vezes, estão descrentes da educação pública. Nós convencemos que o livro pode mudar o futuro dos filhos deles”, diz o proprietário Valter Borges.

É normal pensar que, por causa da violência, o vendedor de porta a porta tem dificuldade em estabelecer contato com o morador, ainda mais quando se trata de uma região carente. Mas, pelo contrário, dificilmente eles enfrentam problemas para entrar nas residências dos clientes. “Essa é outra razão de a classe C ser nosso principal comprador, eles recebem muito bem nosso profissional. As outras classes estão trancadas em condomínios”, conclui Torelli.

Em poucos minutos, o vendedor João Ferreira convence sua cliente e entra pela porta da residência de alvenaria, localizada em uma viela da Vila São Pedro. A dona de casa Cleia Zaurizio, de 25 anos, é mãe de três filhos, e a mais velha tem apenas 9 anos.

A técnica de convencimento é a mesma usada por vários de seus colegas. O perigo de as crianças ficarem nas ruas, expostas às drogas e à violência é o mote principal. Ele também responsabiliza os pais pelo futuro dos filhos e reafirma que o livro é uma forma de as crianças melhorarem no estudo, já que “a escola pública não é tão boa como antigamente.”

Ao fim da conversa, a dona de casa compra um livro de consulta de educação fundamental, para crianças entre 7 e 14 anos. O valor da coleção é de R$264 que vai ser pago em seis vezes por meio de boleto bancário. “Damos a opção de o cliente pagar também em cartão de crédito ou cheque”, afirma o presidente da ABDL

Profissão

A comissão dos profissionais é alta, devido ao volume de vendas. Segundo o empresário Valter Borges, um vendedor com pouca experiência consegue, no mínimo, R$800 mensais. “E o vendedor que possui anos de experiência, recebe cerca de R$3 mil por mês”, explica.

Mas a venda porta a porta também atinge outra faixa da população brasileira. A Avon é hoje a maior empresa de vendas diretas do País e umas das maiores vendedoras de livros. São aproximadamente 1 milhão de revendedoras atuando no Brasil inteiro, inclusive em regiões onde não existem livrarias ou bibliotecas.

Desde 1993, a empresa de cosméticos oferece às mulheres opções de livros em seus catálogos. Como o público feminino é o principal consumidor, grande parte dos livros são espíritas e de autoajuda. O hit do porta a porta são autores como Augusto Cury, Zibia Gasparetto e Içami Tiba.

Para ter uma ideia, no ano passado, a cada quatro livros publicados pela Editora Sextante do autor Augusto Cury, um foi vendido pelo catálogo Moda & Casa, que além de livros, traz artigos para o lar, como roupas e presentes. Os livros vendidos por esse catálogo têm preços muito mais em conta que os vendidos em livrarias ou pela internet. Isso acontece, porque a empresa consegue encomendar, por causa do volume de vendas, edições customizadas com até 30% de desconto nas editoras.

“O preço e a comodidade são os principais atrativos. Meu catálogo roda por empresas e salões de cabeleireiro”, explica Ana Maria Valério, revendedora há oito anos que mora no bairro Demarchi, em São Bernardo. Ela ganha em média R$900 por mês e vende em torno de cinco livros por campanha.

Mariana Samico é cliente de Ana Maria há um ano, quando descobriu que a Avon tinha doze páginas dedicadas ao livro. “Comprei porque percebi que os preços são bens mais baratos que nas redes de livrarias”, comenta a estudante, que comprou A Menina Que Roubava Livros, de Markus Zusak, por R$16,99. Em média, este mesmo best seller custa R$25.

Picture of ABDL

ABDL

Associação Brasileira de Difusão do Livro, fundada em 27 de outubro de 1987 é uma entidade sem fins lucrativos, que congrega o setor chamado porta a porta, ou venda direta (fora internet).

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